O que se entende por fragrância, ou perfume ou, mais rudemente “cheiro”, é o resultado da impressão dos receptores olfativos. Cada molécula em uma composição vai se ligar aos receptores de olfato com a qual tem afinidade, despertar lembranças e instintos, assim influenciando em nossa percepção à respeito de algo: um produto, uma pessoa, uma roupa, um momento, etc. É como um instrumento sendo tocado e reproduzindo as notas que corresponde à cada tecla.
Você já se perguntou porque sente “asco” ao sentir um cheiro “desagradável”? Certos cheiros causam repulsa, talvez por serem associados (lembrança) à situação de perigo: você evita alimentos com cheiro “ruim”. Voltando no tempo, a combinação de certas moléculas em certas proporções poderia significar a possibilidade de chuva, ou proximidade com um ambiente úmido (água, tão essencial para a sobrevivência), ou ainda a presença de um predador ou caça. Quando digo “lembrança” me refiro a dois tipos de lembranças: aquelas que você herdou nos genes de seus ancestrais (e aprimorou) e que foram importantes para o sucesso de sua espécie, e aquelas que foram adquiridas no decorrer de sua existência (estas acredito eu serem muito poucas).
Vou me aprofundar aqui em uma molécula especial: a geosmina. Sabe-se que o receptor olfativo do ser humano não é muito desenvolvido em relação à outras espécies. Nos tornamos eretos (animais que tem o receptor olfativo muito acima do solo costumam ter olfato ruim), e confiamos muito na visão. Um cão pode ter o olfato milhares de vezes mais sensível à certos odores que o ser humano. Um cão reage mais viva e prontamente à um odor que o ser humano, percebe a presença de seu “dono” ou “líder” à distância, e é capaz de refazer uma rota pela trilha de odores. Fantástico!
O que há de especial na geosmina é que ela é uma das poucas moléculas que o ser humano percebe de forma excepcional, em quantidades muito ínfimas. Uma solução de geosmina à 0,001% é capaz de ser percebida à distância! Curiosamente, certas moléculas animálicas como o indol possuem o cheiro bastante acentuado para nosso nariz, e normalmente são cheiradas à 1% ou menos. Algumas moléculas que participam do cheiro de certas frutas também. Mas mesmo estas não podem ser comparadas às geosmina, a “molécula da chuva”.
A geosmina é produzida no solo pela bactéria Streptomyces coelicolor. É uma molécula muito difusiva, ou seja, “esparrama” pelo meio (ar úmido) muito facilmente. Quando chove, é agitada do solo e lançada ao ar. É o famoso “cheiro de chuva”. A geosmina também é produzida na água em ambientes rico em material orgânico, e isso é fantástico, pois pode indicar água e ainda mais: água com outros alimentos! Consegue imaginar o quanto esta molécula foi importante para o êxito de sua espécie? Talvez tenha sido o mais importante e eficiente indicador de onde ir para sobreviver. E talvez, por tudo isso, o ser humano tenha uma excepcional capacidade de perceber essa molécula.
Bom, é nisso que acredito, mas o que quero com tudo isso é que quem leia entenda que a percepção de odores tem relação direta com lembranças e experiências, ancestrais ou não e pode provocar uma resposta muito forte (já viu alguém gastar um salário mínimo ou mais em um perfume?). Compreender isso vai te ajudar no processo criativo. Veja que todo cheiro vai encontrar no seu inconsciente uma ou várias associações. Por exemplo, você sente o cheiro de “roupa limpa” e, um exemplo mais abstrato ainda, você sente o cheiro de “novidade” ao abrir uma caixa. Ou sente o cheiro de morango em um alimento artificial (cheire um morango de verdade pra entender o quão absurdo isto é…). Tudo isso foi dispertado por uma combinação de moléculas. Odores e sabores são intimamente relacionados, mas não quero me extender muito, então ficamos por aqui.
Até a próxima.