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Criação de perfumes e fragrâncias: parte 1 – o dicionário olfativo

Perfume Organ
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Não me considero um grande perfumista, mas tenho sido capaz de criar e copiar fragrâncias de perfumes, e tenho tido êxito com mais frequência ultimamente. Tenho alguns acordes bem originais também, embora a maioria se perca em minhas anotações ou fiquem em frascos de vidro em algum canto de meu laboratório, esperando meu interesse voltar as atenções para ele.

Quando jovem costumava me perguntar como um perfume é feito, como se cria um “cheiro” novo. Era fascinado pelo mundo da química (ainda sou) e compreender como a magia de um perfume se materializava em um líquido era uma necessidade, que devido à dificuldade em se obter informação naquela época tornou-se uma obsessão sem respostas. Com o advento da internet tudo se tornaria mais claro e fácil, isso anos mais tarde.

Como muitos dos adolescente de minha época, muitas vezes me impressionei com o impacto de um novo perfume e tentava compreender o motivo de tal fascínio por algo tão etéreo, pois vestir um perfume caro te diferenciava. Naquela época o mercado de fragrâncias não era tão diverso e saturado como nos dias de hoje, e fragrâncias novas que causam a surpresa da “novidade nasal” custavam muito caro, e até que algum produto similar (se não o mesmo, sob outro nome) surgisse levava anos.

Três perfumes ficaram muito bem gravados em minha memória: Safari for men de Ralph Lauren, Eternity feminino de Calvin Klein e Sr. N da Boticário. Este último como uma lembrança enjoativa e insuportável – quem conheceu, sabe bem o que estou falando. Imaginar o que poderia estar por trás da fórmula do líquido contido nestes frascos de vidro (com exceção do insuportável Sr. N, apresentado em um recipiente de plástico) se tornou uma obsessão até os trinta e poucos, quando finalmente eu encontrei uma forma de iniciar meu envolvimento com os mundo dos cheiros: uma loja que vendia químicos aromáticos em um website. Levou algum tempo ainda, antes que eu obtivesse meus primeiros químicos aromáticos, pois algumas questões bem básicas precisavam ser respondidas.

O que comprar? Quanto comprar? Como começar a compreender as misturas, como “estudar” cheiros? Quantos materiais devo ter? Hoje pode parecer simples e fácil obter a resposta, mas anos atrás era bem diferente. Finalmente, certo dia, encontrei o que procurava, que li e reli diversas vezes, e que me norteia até hoje: “A Method of Creation”, de Jean Carles. Se você quer aprender sobre fragrâncias, deve ler sobre Jean Carles. Ele foi um tipo de Beethoven dos perfumes. É o criador de clássicos imortais como Miss Dior, Carven Ma Griffe, Dana Tabu e Schiaparelli Shocking. Miss Dior foi criado quando seu autor estava praticamente anósmico, diferente de Beethoven, que ficou surdo. Esta obra é facilmente encontrada para download na internet, é de domínio público, mas para facilitar aqui está: A Method of Creation – Jean Carles.

Finalmente fiz meu primeiro pedido, minha primeira compra, no dia 13/06/2014. Não me lembro exatamente quais produtos comprei, mas lembro que eram cinco moléculas de químicos aromáticos, entre elas acetato de benzila e verdox (acetato verde) e outros acetatos. 100mL cada!!! Rapidamente percebi o quão absurdo era tal quantidade para quem não tem uma linhade produção, e irá apenas cheirar em gotas de solução a no máximo 10%. Ingenuamente, quis começar tendo todos os acetatos… Os tenho até hoje! Estão guardados no frasco original como lembrança.

Isto marca o primeiro passo, que é construir o seu dicionário olfativo. O perfumista deve conhecer muito bem todos os materiais que possuir, e procurar aumentar a cada dia, em nível de quantidade e profundidade, as notas olfativas que conhece. Além das moléculas de químicos aromáticos, existem também os materiais naturais: óleos essenciais, resinas, absolutos, etc. Algumas bases, como Dorinia SA, também são importantes e devem ser estudadas (cheiradas, misturadas, etc), como não sou um profissional e sim um curioso (faço tudo por hobby mesmo) prefiro trabalhar com minhas próprias bases, que crio e normalmente não concluo porque já me senti satisfeito por quase ter criado uma base! Costumo dar as características finais quando as utilizo. É como compor uma música e concluí-la de forma diferente em cada apresentação, de acordo com o clima do momento.

Uma forma de se estudar os materiais e que venho realizando durante todos estes anos é cheirar, todos os dias, 1 ou 2 produtos. Quando é um material novo, que estou cheirando pela primeira vez, cheiro somente ela por todo o dia, durante 1 ou 2 dias. Quando são materiais que já cheirei anteriormente e portanto já conheço, cheiro duas por dia, alternando entre uma e outra. Tenho frascos de 10 e 20mL com as soluções preparadas, então quando inicia o dia preparo 1 ou 2 fitas olfativas que vão me acompanhar durante o dia todo. É importante procurar perceber as características olfativas e notas de cada produto. Quando tiver cheirado uns 100 produtos já vai ser capaz de percebê-los em produtos como perfumes, sabonetes, desinfetantes, etc, e até estará “arriscando” alguns acordes.

Então se você quer iniciar nesta arte (sim, arte, com um pouco de ciência), movido pelo desejo de criar um perfume novo e exclusivo, ou quer copiar alguma fragrância que acha interessante, o inicio de tudo é esse, cheirar e conhecer o maior número de cheiros que puder. Tudo isso será o seu dicionário olfativo, as letras que compões suas palavras (acordes?), que por sua vez fazem parte de seu texto (produto final?). Um perfumista nunca para de cheirar, há produtos que eu já cheirei por diversas vezes, por todos esses anos, e ainda não conheço bem, e às vezes me surpreendo com alguma característica que não havia notado antes.

Meu conselho pra começar, os primeiros materiais para se ter contato:

  1. Musgo de Carvalho (10%)
  2. Óleo essencial de Vetiver (Brasil, Haiti, qualquer um) (10%)
  3. Óleo essencial de cedro da Virgínia (10%)
  4. Ambrox, Ambrox DL ou Ambroxan (10%)
  5. Galaxolide (10%)
  6. Iso E Super (10%)
  7. Hedione (10%)
  8. Óleo essencial de Gerânio (África ou qualquer outro) (10%)
  9. alfa Ionona (10%)
  10. alfa Damascone (1%)
  11. Óleo essencial de laranja doce (10%)
  12. Óleo essencial de bergamota (10%)
  13. Óleo essencial de Ylang-Ylang (10%)
  14. Óleo essencial de alecrim (10%)
  15. Óleo essencial de eucaliptus globulus (10%)
  16. Óleo essencial de cipreste (10%)
  17. Óleo essencial de tomilho (10%)
  18. Óleo essencial de bálsamo do Perú (10%)
  19. Linalol (10%)
  20. Citronelol (10%)
  21. Geraniol (10%)
  22. Alcool feniletílico (10%

Você pode simplesmente comprar as soluções prontas com o solvente que desejar e as fitas olfativas e sair por aí cheirando e alimentando seu dicionário olfativo, ou montar um laboratório com provetas, balança semianalítica, pipetas, frascos de vidro, etc, e sua vida vai ficar um pouco mais complicada… E não se esqueça dos 0,15% de BHT (um antioxidante).

  • Atenção:

Se você prefere preparar as soluções ao invés de adquiri-las prontas, saiba que o Galaxolide líquido que normalmente se encontra à venda é na verdade uma solução 50% em dietilftalato (DEP), massa por massa (m/m). O Galaxolide puro é extremamente viscoso, difícil de manipular e raramente é vendido nesta forma. Para preparar a solução à 10%, complete o volume até 5 vezes. Por exemplo, para 10 gramas de Galaxolide 50, complete o volume até 50mL com o solvente que deseja, normalmente etanol ou dipropileno-glicol. Eu, particularmente, prefiro usar o etanol como solvente, pois este é mais adequado quando o assunto é fragrância.

Todos os outros produtos devem ser preparados em soluções massa por volume. Para uma solução 10% de linalol, por exemplo, pesa-se 10 gramas de linalol e completa-se o volume até 100mL com solvente. Prefiro etanol, mas tem que tomar cuidado pra evitar a evaporação do produto no frasco. Nunca cheire a fita olfativa antes do álcool evaporar completamente, pois isso prejudica o sentido do olfato.

O conhecimento de notas/materiais compõe o dicionário olfativo do perfumista. Quanto maior e completo, maior a capacidade do perfumista de compreender cheiros e criar acordes.

Assim que a inspiração vier escrevo a próxima parte desta série, vou falar sobre acordes simples.

Até lá!

11 comentários sobre “Criação de perfumes e fragrâncias: parte 1 – o dicionário olfativo

  1. Estou acompanhando tuas postagens, até que enfim encontrei um site que me dá orientações de como fabricar perfume.

    1. Que bom que está gostando, em breve estarei publicando a continuação destes artigos, com muitos exemplos práticos de acordes simples de duas ou três notas. Seu interesse é o que me motiva a continuar, abraço!

  2. Quando começará as vendas dos quimicos aromáticos?

    1. Olá amigo, ainda não temos previsão certa, mas muito em breve.

      1. I have a question but first I enjoyed very much with this article
        Why do you dilute mass in volume?

        1. To get a mass/volume relation. So I can translate drops to parts of mass in a production formula. This kind of solution is meant to studing. Thank you for the interst.

  3. Obrigado Marcos, espero poder contribuir cada vez mais, sua opinião é muito importante!

  4. Muito interessante..estou acompanhando….até que enfim um espaço com conteúdo profissional sobre compor perfumes: acordes,etc..vc vai ensinar a compor as bases? Espero muito poder contar com a venda dos quimicos aromáticos e sem adulteração..vai aqui um desabafo: andei comprando em algumas lojas virtuais…tudo adulterado…não compensa…infelizmente, é bem dificil encontrar gente honesta no Brasil, nesse setor dos aromáticos fracionados.

    1. Olá Márcia, que bom que está gostando do conteúdo, fico feliz em poder contribuir e sinto pena no Brasil haver poucas pessoas interessadas no assunto, que considero fascinante. A troca de experiências é muito rica e nos ajuda a evoluir muito mais rápido.
      Tem dois artigos bem prático que explica como compor: https://www.perfumistico.com.br/artigos/criando-um-acorde-na-pratica/
      e https://www.perfumistico.com.br/artigos/criando-uma-fragrancia-de-perfume-na-pratica/
      Quanto a adulteração, não sei o que dizer, alguns produtos como o aldeído C11 laurico, beta damascenona, sandiff, etc. são problemáticos, teria que conversar melhor com você pra entender. Por exemplo, você pode entender por adulteração um isômero diferente de uma descrição que você viu. Um artigo sobre este assunto talvez fosse interessante pra elucidar.
      Abraço e continue acompanhando, devo publicar mais 2 artigos até o fim do ano.

  5. Olá querido amigo,
    Seu site , os materiais que disponibiliza tem sido de grande agrado, valia e ensinamentos pra mim.
    Te achei na internet meio que sem querer, curiosa que sou, fui buscar saber o nome de um químico aromático e apareceu teu site, claro que já fiz um compra e estou ansiosa para cheirar tudo. Será a minha primeira vez em contato com eles, pois eu só conhecia os óleos essenciais. Vou passar um bom tempo em sua companhia, lendo seus artigos e aprendendo com você. Gratidão Kássia

    1. Olá Kássia!
      Que sua estada possa ser proveitosa. Que bom ter você por aqui, é isso que motiva o meu trabalho, que cada vez mais eu possa colaborar mais e mais.
      Abraço!

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